“As minhas férias na ilha de Santo Antão,” César Augusto Medina Fortes

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As aulas terminaram no dia 10 de Junho. E para a nossa alegria, as férias tinham começado. Santo Antão seria o nosso destino.

Saímos de casa bem cedinho, e fomos para o cais de São Vicente. Apanhamos o táxi de nhô Custódio, um Mercedes-Benz, branco, com um cãozinho de plástico no tablier, que mexia cabeça à medida que o carro andava. Era novinho em folha. Todos solicitavam para transportar os noivos. Como podem imaginar, eu estava muito feliz por andar no carro mais bonito da ilha. Durante o trajeto para o caís, eu não parava quieto, observando como nhô Custódio girava o volante e trocava a mudança. Era algo admirável.

Quando chegamos no Porto Grande, tinha uma multidão esperando na fila para entrar no ferry boat “Porto Novo”. O mar estava um pouco revolto. Mesmo assim lá fomos nós. O “ferry boat”, tinha fama que fazia enjoar até as malas. Tinha gente, que só de ouvir o nome do barco já ficava enjoada, como é o caso da Ti Jona. O barco subia e descia as ondas, sem termos certeza se voltava para a superfície outra vez. Pessoas gritavam: “Mar não tem árvores, vamos afundar.”

Mas nós crianças, estávamos animadas para chegar à Santo Antão. Depois de uma hora de viagem turbulenta, chegamos em Santo Antão. O cais de Porto Novo tinha um calor infernal e não tinha nenhum sítio para se esconder do sol abrasador. Era tanta gente que a azáfama era grande. Uns descendo e outros preparavam-se para entrar no barco em direção à São Vicente. O cais era pequeno para tanta gente e tantos carros. Segurando as nossas tralhas, caminhamos em direção ao camião que nos levaria à Chã de Igreja. O Bedford de 1958, de cor verde, que pertencia à nhe Cuca, já estava a nossa espera. Lá iniciamos a viagem de carro que demoraria umas três horas. No cais, víamos pessoas a vender “sucrinha” em forma de cone, marmelo, maçã, queijo e muitas outras coisas tradicionais da ilha. O carro fazia muito fumo que prometia fazer-nos enjoar mais uma vez. Os adultos sentaram nas cadeiras e nós, as crianças sentámos no fundo da caixa, juntamente com as malas. Saímos do cais, fizemos a curva e entramos na estrada principal.

Iniciamos a subida para a zona de Corda.

Chegámos na zona de Delgadinho e de repente o silêncio tomou conta do camião. O lugar mete medo com os precipícios dos dois lados da estrada. Fechamos os olhos e só respiramos depois de termos atravessado aquela parte perigosa da estrada. Na ribeira, o velho Bedford, ia devagar, pois andava em cima de pedregulhos e iria demorar até chegar em Chã de Igreja.

Chã de Igreja é uma pequena e bela vila, mas que parece uma cidade em miniatura. Terra de pessoas educadas, com ruas limpas e organizadas, com muita cana à volta, altos coqueiros, com um cheiro de manga por todo o lado. No centro da vila existe uma bonita igreja, a qual dá o nome à vila de Chã da Igreja.

Chegámos na casa da minha avó Ludovina “Vinha”. Todos os nossos familiares saíram para cumprimentar-nos e ajudar com as malas. A Fátima estava a pentear o cabelo da “Ti Tuda”. Era uma alegria total. Abraçamos toda a gente. Parecia que a nossa família inteira estava em Chã de Igreja. O pequeno-almoço tinha mandioca frita, chá de hortelã, cachupa guisada e omeletes. O cheiro era irresistível.

A casa da minha avozinha tinha muitos animais. No dia seguinte, de manhã cedo, apanhei uma caneca de latão e chamei o Aldevino, meu primo mais velho e pedi-lhe um favor especial:

– “Ó Aldevino, bô podia trazeme um bocadim de leite de burro, de favor?”

Eu, como “boys de Soncente” e na minha santa ignorância, pensava que todos os animais davam leite, até o burro. Mas lá foi o Aldevino e voltando com a caneca cheia de leite. Bebi o leite todo e até fiquei com um bigode de espuma. As férias estavam a começar da melhor forma.

O mês de Outubro chegou ao fim. As férias terminaram. Era tempo de voltar para São Vicente. E nós, na véspera da partida, ficamos até tarde, a falar das maravilhosas férias que tivemos. No dia seguinte, amigos de Chã de Igreja foram nos despedir. Quando o carro já ia dobrar a esquina, voltamos a cara para trás, com um nó na garganta e quase chorando, com a mão bem alto, fizemos adeus para a nossa avó Ludovina, a nossa querida “Vinha”. Ela, com uma cara triste, ficou a acenar-nos até o carro desaparecer no fim da rua.

Dentro do caminhão o cheiro do fumo era intenso. Já com alguns minutos na estrada, começamos a dormir. Quando chegamos no cais do Porto Novo, tinha um calor que parecia que o chão estava pegando fogo. Era uma confusão em cima do cais com o negócio de verduras. E lembrar que íamos no mesmo barco, começávamos a ficar enjoados. Podíamos até vomitar, mas estávamos muito felizes a caminho de São Vicente depois de termos passado umas boas férias.

Só não sabia eu, que a minha mãe nos tinha levado para essas “maravilhosas férias” com o intuito de deixar-nos com a nossa avó e depois partir para a Itália, porque a vida em São Vicente não estava fácil. Anos mais tarde, ela contou-nos toda a história, explicando que desistiu da viagem porque, enquanto de dia, nós ríamos de alegria, ela, à noite, chorava de tristeza de ter que deixar os filhos para trás, para serem criados por outras pessoas. Ela já tinha até o bilhete de passagem comprado, mas sentiu pena de nós e não viajou. Deixou o sonho de ter uma vida melhor para ter a realidade e a alegria de viver com os filhos. Creio que ela não se arrependeu da decisão que tomou naquele dia. Nós agradecemos a nossa mãe por esta sábia decisão até hoje.

Foram as melhores férias da nossa infância.